sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Bicha má e manifestantes ingênuos.


Heitor Battaggia

Já há semanas temos acompanhado as diatribes de Félix na novela Amor à Vida e também às manifestações de rua no Rio e em São Paulo.

O autor da novela criou um falso dilema em que uma família rica, educada, mundana e internacional se importa com o fato do canalha ser homossexual e não se importa com o fato do homossexual ser canalha: uma inversão de valores incompreensível. Tem coisa muito errada nessa história.

A opinião pública e a imprensa repetem a rica família da novela. Há semanas temos assistido um conjunto de falsos democratas promovendo manifestações que - vejam vocês que azar – acabam infiltradas por malvados vândalos mascarados que promovem atos de violência de depredação de bancos, agências de carros e, agora, farmácia de cosméticos: instrumento da globalização internacional do peito de silicone e dos cílios postiços.

A ingenuidade desses falsos democratas é tão falsa quanto a família da novela. Juntam-se em apenas duas centenas, às vezes menos, e sentem-se no direito de atrapalhar a vida de milhares de pessoas que estão voltando para seus lares (manifestação com menos de 1 mil não poderia interferir na cidade. Precisa encher o vão do MASP antes de interromper a rua).

Esses movimentos não têm caráter reivindicatório, não conseguem apresentar uma agenda, não têm a menor representatividade na sociedade e não são ingênuos. Continuam se resumindo a 200 pessoas e incorporam em suas manifestações o vandalismo que depreda patrimônio público e privado, caso contrário não seriam sequer notícia. Não são dois grupos: um promotor da manifestação e outro – infiltrado – promotor da violência. É um grupo único que convida e esconde entre seus membros os depredadores.

Quem compõe esse grupo? Não sei, mas tenho algumas suspeitas.

1 - Quem tem possibilidade de se manifestar todos os dias? Ninguém trabalha nesse grupo?

2 - Só branquinho classe média provoca a polícia, picha viatura e coloca a prisão no currículo. Gente da quebrada, longe da proteção da grande mídia (condenada por eles), sabe que a vida é dura.

3 – Manifestação sem reivindicação não é política, é canalhice. Pedir nas ruas de São Paulo a renúncia do governador carioca não é ingenuidade.

Esses manifestantes ficam o tempo todo provocando a polícia em busca de uma vítima maior. Condenam a ação policial e, mais tarde, na frente das câmaras de televisão que só se mobilizam graças à violência e depredação, condenam também a ação desses violentos que eles convocam.

Acreditar neles é acreditar que a família da novela não toleraria um homossexual e acreditar que existem vândalos infiltrados nas manifestações pacíficas é acreditar na teoria da bicha má que ninguém tinha notado.

A outra hipótese é que existem duzentas bichas más de novela que toda noite enchem o saco da paulicéia ingênua e desvairada.

terça-feira, 23 de julho de 2013

O Papa Francisco e eu.

Heitor Battaggia

Agora com o Papa no Brasil, me pergunto: quié quieu tenho a ver com o Papa?

Tudo e nada.

Não tenho religião, mas também não professo o ateísmo. A religião nos é socialmente imposta, e o ateísmo é escolha que eu exerci. A mim basta e minha escolha não interessa a mais ninguém.

Só há duas maneiras de encarar a religião: ou somos uma criação divina, ou a humanidade criou deus. Em ambas, deus existe.

Engraçado que eu, ateu, mas que tenho o sentimento de pertencimento da humanidade, sinto-me co-criador de deus.

Deus nos dá um padrão ético de vida, normas de comportamento, esperança de melhora e crença num mundo melhor. Deus, penicilina e gol de cobertura a partir do meio do campo operam no mesmo diapasão. São todos criações humanas. O holocausto de Barbacena (veja post de 29.06.2013) foi uma sinfonia desafinada.

Não tenho religião, mas a manifestação de fé me comove. Gosto de ver as pessoas empenhadas e comovidas em ver o Papa. Gosto do congraçamento de jovens de todo o mundo no Rio de Janeiro. Gostaria de estar lá, participando da festa.

Vi há pouco, no site do UOL, meia dúzia de babacas se “desbatizando”. Aliás cada vez mais me convenço que jornalismo é a profissão que reúne a maior quantidade de tolos e babacas do mundo. Nem todo jornalista é um babaca, mas todo babaca sonha em ser jornalista; muitos conseguem (talvez por causa dos baixos salários). O Rio de Janeiro com milhares de pessoas do mundo inteiro se congraçando, fazendo festa, celebrando uma festa de humanização e o editor do UOL abre espaço para um bobalhão com um secador de cabelo na mão ventando a cabeça de meia dúzia de pessoas num ato contra a igreja católica.

Gosto do Papa, mas desse Papa é fácil gostar. Carismático, simpático e popular. Já iniciou um conjunto de reformas na igreja mas certamente defenderá muitos dogmas católicos. Continuará a ser contra o aborto, contra o casamento homossexual, contra a eutanásia. Manterá os dogmas da criação e da virgem Maria e da infalibilidade do Papa.

Quem não gosta desses dogmas, que os acha falhos/falsos pode mudar. Pode virar ateu, como eu (garanto para vocês que se continua vivendo muito bem), ou, sei lá, virar muçulmano. É uma questão de opção.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Gestão das políticas públicas.

Heitor Battaggia

Outra divisão que se faz entre as políticas Públicas é sobre sua gestão. Elas podem ser oferecidas pelo Estado, quando este se responsabiliza pela contratação dos profissionais, pela construção e manutenção das instalações necessárias para seu funcionamento. Um exemplo disso são os sistemas públicos de educação, com suas escolas, professores e sistemas de controle (supervisão) ou a política pública de segurança pública, em que os soldados, os policiais os quartéis, as delegacias são sempre órgãos estatais. A mesma coisa se dá com o sistema de Justiça.

Há políticas públicas, entretanto, que dependem da oferta desse serviço por entidades privadas. Um exemplo desses é a política pública de segurança alimentar. Os diferentes entes estatais – principalmente os municípios - compram no mercado, e distribuem à população que necessita, muitas cestas básicas, mas o maior programa dessa política pública – o Programa Fome Zero – distribui recursos à população que compra os gêneros alimentícios no mercado.

Outro exemplo importante é a política pública de assistência social que se estruturou no Brasil pelo estabelecimento de convênios entre municípios e organizações filantrópicas. Este modelo está se espalhando para a saúde, em que há contratação cada vez maior de entidades privadas para administrar hospitais públicos e outros equipamentos de saúde.

Há, também, exemplos mistos como as campanhas de vacinação ou de distribuição de medicamentos, em que o estado compra as vacinas ou os medicamentos no mercado e os distribui à população.

Outro modelo é quando o Estado apenas regulamenta um setor importante para a população como, por exemplo, as telecomunicações. O Estado brasileiro já foi o fornecedor direto dos serviços de telecomunicações e vendia esses serviços à população. Hoje a política pública de telecomunicações é controlada pelo Estado através da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – que permite que algumas empresas ofereçam o serviço à população que compra o serviço diretamente delas.

 Quadro 2
 
OFERTADA PELO ESTADO
OFERTADA PELO MERCADO
Adquirida pelo Estado
Adquirida pelo cidadão
UNIVERSAL
Educação fundamental e média
Educação profissional (sistema S)
 
Políticas de distribuição de medicamentos
Telefonia fixa e móvel.
FO-CADA
Emancipa-
tória
Quotas para negros nas universidades públicas
Parte da política de Assistência Social é oferecida por ONGs e OSCIPs
Programa Minha Casa Minha Vida
Compensa-
tória
 
 
Aluguel social
Meritória
Universidades públicas
 
Fundo de Financiamento Estudantil
 
Há também modelos mistos em que Estado e instituições privadas repartem o atendimento da população. Um exemplo desses é o ensino profissional, em que o Sistema “S” e as escolas técnicas repartem a oferta de ensino profissional no Brasil. Outra modalidade é o caso de financiamentos com taxas de juros subsidiadas, como o caso do FIES ou de vantagens fiscais para fabricantes de algum produto, como ocorre com equipamentos de informática.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Gratuidade do transporte coletivo é uma boa política pública? (parte 3)

Heitor Battaggia


Estivemos discutindo nos posts anteriores que a política pública do passe livre como política pública universal agrada a todo mundo; falta dinheiro.

Como política pública focada nos estudantes, vimos que o transporte gratuito já é praticado para algumas categorias, inclusive com transporte porta a porta, portanto não é nada absurda. Resta saber se os estudantes que estão fora desse atendimento de transporte completamente gratuito (mas já tendo conquistado o benefício de pagar somente 50% da passagem) devem receber os outros 50%.

Na minha opinião todos os estudantes devem receber seu transporte escolar gratuito (o transporte para a balada e para o futebol estão excluídos). A melhor forma de fazer isso é o atual sistema de “passe”/”bilhete único” que estima a quantidade de passagens que o estudante necessita para ir e vir para a escola.

Os estudantes não deixarão de ir à escola se esse benefício não for dado a eles. O passado mostra que os estudantes têm seguido seus estudos até agora com os benefícios existentes, e que a educação tem um valor social próprio. As pessoas querem mais educação porque acham que isso é necessário para seu desenvolvimento. Ao contrário do que muitos pensam, as crianças são mandadas para a escola porque seus pais sabem que isso é importante para elas, não é por conta do programa de leite, nem pela merenda.

Já a sociedade tem que fazer todos os esforços para a garantia da educação para todos e o transporte gratuito é um estímulo importante.

Qual é o retorno para a população?

Mais pessoas mais educadas (no sentido de escolarizadas) fazem uma sociedade mais democrática; isto é, com menos preconceito e com mais chance de prosperidade a todos.

Mais escolaridade faz a sociedade mais política, isto é, faz com que os conflitos sejam negociados e a violência diminua.

Uma população mais escolarizada traz mais progresso técnico e científico, propiciando mais conforto a todos, quando as tecnologias se incorporam ao dia-a-dia das pessoas.

Em outra palavras, mais escolaridade faz a sociedade mais humana.

Mas para que essa humanização prospere e continue, alguns temas precisam ser debatidos: a melhoria da escola e a retribuição das pessoas que receberam mais escolaridade.

A melhoria da escola é um tema bastante debatido no Brasil e ao qual voltaremos muitas outras vezes.

O tema que precisamos colocar na ordem do dia é o serviço civil público, que foi mais uma vez colocado de forma enviesada na proposta da presidente para a prorrogação do curso de medicina para oito anos.
Mas esse é assunto do próximo post.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

A coisa certa pelo motivo errado.

Heitor Battaggia
 
Em sua mais recente crônica semanal publicada no jornal Folha de São Paulo, intitulada “Gays e Heterossexuais Incuráveis” (http://drauziovarella.com.br/sexualidade/gays-e-heterossexuais-incuraveis/) o médico Drauzio Varela faz um longo comentário sobre o projeto conhecido por Cura Gay, aprovado na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

O sempre correto Dr. Varela, numa linguagem clara e bem escrita, elenca um conjunto de argumentos para mostrar que a homossexualidade é mais comum do que pensam os mais fervorosos fundamentalistas religiosos. Mostra que está presente em muitas sociedades, fala sobre pesquisas já consagradas e, a partir de um conjunto convincente de números, mostra que as relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero é uma prática antiga e consagrada em diversos agrupamentos humanos.

O Dr. Varela erra quando defende – e não é o primeiro a faze-lo - que a homossexualidade deve ser aceita, entre tantos argumentos, por que existe até mesmo entre animais. Em outra palavras, a homossexualidade é natural. Discordo desse argumento.

Nem sei se ratos, coelhos, martas, carneiros, cavalos e quantos outros bichos mantêm essa prática, mas entre os humanos a prática homossexual deve ser aceita porque ela é escolha. As pessoas escolhem manter relações prazerosas com pessoas do mesmo sexo. Elas poderiam suprimir o desejo, e não o fazem, e ninguém tem nada como isso.

Uma das coisas que nos humaniza é, entre muitas outras coisas, o freio que nos impomos quando nossos desejos naturais/animais interferem no destino de outras pessoas. Até mesmo o desejo sexual. Todas as sociedades têm “mulheres proibidas”, quer por conta do mito totêmico, da família, do clã ou da idade.

O bom professor Varela não ficaria feliz se a cada nova aula que ele ministrasse, e foram e serão muitas, os machos urinassem nos cantos da sala demarcando seu território, prática comum na natureza. Temos certeza que o cidadão Drauzio Varela condena o estupro e o sexo com incapazes, prática também corrente na natureza.

A homossexualidade humana deve ser respeitada quando praticada consensualmente entre parceiros que se sintam felizes em sua prática. Simples assim. Trata-se de um assunto privado que somente aos seus praticantes interessa.

O deputado Feliciano – ou qualquer outro cretino de plantão – tem tanto direito de condenar o relacionamento homossexual quanto de dizer quais são as posições sexuais adequadas e inadequadas que cada um de nós deve manter com a patroa ou com o marido.

Em outras palavras, vá pentear macacos (desde que eles queiram).

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Gratuidade do transporte coletivo é uma boa política pública? (Parte 2)

Heitor Battaggia
 
Vimos na primeira parte que o transporte público gratuito para toda a população, isto é, como política pública universal é uma boa medida. Todos são a favor, até começarmos a conversar sobre o orçamento. Em São Paulo, basta arranjar R$ 8 bilhões anuais (estimados).

Bem, se isso é difícil, afinal R$ 8 bilhões não estão assim tão disponíveis (vide a 1ª parte), podemos pensar numa política pública focada, isto é, uma política pública que beneficie apenas uma parte da população. Vamos aos segmentos que já são beneficiados com transporte gratuito.

Todas as passagens de transporte urbano na cidade de São Paulo são subsidiadas em algo em torno de 25% (política universal).

Idosos – têm transporte gratuito em São Paulo desde a década de 1980, quando Covas era prefeito. Esse benefício já está implantado em muitos outros estados. Não sei se há uma Lei Federal sobre isso (política focada de tipo compensatória).

Trabalhadores em geral – Desde 1987, os trabalhadores com carteira assinada gastam no máximo 6% de seu salário em transporte. O restante é bancado pelo empregador. Trabalhadores sem carteira assinada não têm o benefício (PP universal).

Estudantes – O transporte escolar para alunos do ensino básico (infantil, fundamental e médio) do Brasil rural é garantido pelo Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar do MEC (PP focada de tipo emancipatória, que procura incentivar a frequência à escola).

O Transporte Escolar Gratuito na cidade de São Paulo atende as crianças da rede municipal de educação, de acordo com os seguintes critérios: portadores de necessidades especiais; com problemas crônicos de saúde; de menor faixa etária; de menor renda familiar; que residam a uma maior distância da escola. Muitas outras cidades têm programas de transporte gratuito para a população estudantil. Muitas cidades do interior de São Paulo custeiam o transporte intermunicipal de seus habitantes que estudam em cidades próximas (idem).

No transporte urbano de todas as cidades do país, há um subsídio de 50% do preço das passagens para estudantes de qualquer categoria (idem).

Portanto essa ideia de custear ou subsidiar o transporte para estudantes não é absurda nem nova. Existe e está implantada em muitos locais e cidades do Brasil.

Vamos a mais informação. Qual a participação do gasto de ônibus nos orçamentos familiares em São Paulo?

Pesquisa de orçamento familiar da FIPE de 2008/2010, que serve de parâmetro para a pesquisa do IPC/FIPE diz que o gasto com ônibus é de 3,3122% do orçamento familiar. Considerando que os ônibus ficaram muito tempo sem reajuste, a participação do ônibus deve ter caído. Para comparação: gastos com saúde: 7,7098%. Educação: 3,6798%. Alimentação: 22,9228%. Recreação e cultura: 3,8625%. Fumo e bebida: 3,4478% (essa é só de provocação).

Como se vê a participação do gasto em ônibus em São Paulo é muito baixa, refletindo, certamente, esse conjunto de subsídios que já existem no transporte público.

Assim, temos que fazer mais uma pergunta. Essa política de gratuidade do transporte urbano para os estudantes é justa?

Essa discussão fica para o próximo post.

sábado, 29 de junho de 2013

"Holocausto Brasileiro. Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil"


Heitor Battaggia

Acabei de ler o livro acima (título do post), de Daniela Arbex (São Paulo/Geração Editorial; 2013). Recomendo.

Há muitos anos não lia uma obra que me impactasse tanto. Há momentos em que temos que largar o livro para que a angústia das histórias relatadas saia em forma de lágrimas. Já conhecia superficialmente a história de Colônia em Barbacena, mas não imaginava nem 1/10 das atrocidades que lá aconteciam. Parte delas num passado recente, muito recente.

Três pensamentos não saiam de minha cabeça durante a leitura. O primeiro sobre o psiquiatra Amílcar Lobo que teve seu registro médico cassado por atuar de forma indevida durante a ditadura. No caso de Barbacena, há torturas, castigos corporais, indução à morte, cárcere privado e toda sorte degradação humana patrocinada e supervisionada por médicos. Em Barbacena, somente médicos que denunciaram as barbaridades ali praticadas, e tentaram humanizar o tratamento aos pacientes, é que foram ameaçados de retaliação, inclusive com abertura de processos éticos no CFM.  

O segundo pensamento foi o projeto do Ato Médico recém aprovado no Senado e mandado à sanção da presidenta. Não sou médico, nem atuo na área de saúde, mas depois de ler o livro penso no enorme poder que essas corporações assumem no Brasil. A aprovação dessa Lei vai na contra-mão do movimento geral da democratização e centraliza poder numa categoria profissional.

O livro é repleto de fotografias e a quantidade de negros nessas imagens chama nossa atenção. A degradação das figuras ali retratadas nos remetem à pobreza, mas nada nos indica a situação daquelas tristes figuras antes de entrarem naquele inferno.

Também chama nossa atenção como que o tratamento dado àqueles condenados sem crime, sem acusação e sem chance de defesa, foi sendo considerado normal. A morte/assassinato de alguns (muitos?) não era considerada sequer como um acidente ou um caso excepcional. Fazia parte. A jornalista colhe depoimentos de pessoas que lá trabalharam durante décadas e assumiram a naturalização dos assassinatos. Era uma gente de ninguém, com quem ninguém se importava.

Há também os relatos de virtude, de gente que, remando contra a maré, resgatou, deu visibilidade e alguma dignidade a alguns sobreviventes mas, infelizmente, não chegaram a tempo de salvar os 60 mil mudos e invisíveis que pereceram no caminho.

Já há muitos anos acho que a sociedade brasileira é marcada pela injustiça, pela violência e pelo preconceito. Depois desse livro estou incorporando a perversidade a esse rol. Como é possível que durante 80 anos isso tenha ficado despercebido da sociedade brasileira, de toda a área médica e da comunidade de Barbacena? Em 1982 achávamos que éramos civilizados, Minas elegeu Tancredo Neves para governador e reelegeu Itamar Franco para o Senado. Isso era modernidade e, entretanto, atrás dos muros do manicômio, os assassinatos continuavam. Mas “aquela gente” nunca fez parte do povo brasileiro.

O terceiro pensamento foi a Comissão da Verdade instaurada para investigar violações dos direitos humanos no Brasil entre 1945 e 1988. Dela participam pessoas que admiro e que estão fazendo um trabalho correto e necessário, mas é interessante como a comissão continua restrita à violação dos direitos daqueles que conseguiram gritar.

As vítimas de Barbacena não têm voz. Ou será que não eram humanos?