Heitor Battaggia
Acabei de ler o livro acima (título do post), de Daniela Arbex (São
Paulo/Geração Editorial; 2013). Recomendo.
Há muitos anos não lia uma obra que me impactasse tanto. Há
momentos em que temos que largar o livro para que a angústia das histórias
relatadas saia em forma de lágrimas. Já conhecia superficialmente a história de
Colônia em Barbacena, mas não imaginava nem 1/10 das atrocidades que lá aconteciam.
Parte delas num passado recente, muito recente.
Três pensamentos não saiam de minha cabeça durante a leitura.
O primeiro sobre o psiquiatra Amílcar Lobo que teve seu registro médico cassado
por atuar de forma indevida durante a ditadura. No caso de Barbacena, há torturas,
castigos corporais, indução à morte, cárcere privado e toda sorte degradação
humana patrocinada e supervisionada por médicos. Em Barbacena, somente médicos
que denunciaram as barbaridades ali praticadas, e tentaram humanizar o
tratamento aos pacientes, é que foram ameaçados de retaliação, inclusive com abertura
de processos éticos no CFM.
O segundo pensamento foi o projeto do Ato Médico recém
aprovado no Senado e mandado à sanção da presidenta. Não sou médico, nem atuo
na área de saúde, mas depois de ler o livro penso no enorme poder que essas
corporações assumem no Brasil. A aprovação dessa Lei vai na contra-mão do movimento
geral da democratização e centraliza poder numa categoria profissional.
O livro é repleto de fotografias e a quantidade de negros
nessas imagens chama nossa atenção. A degradação das figuras ali retratadas nos
remetem à pobreza, mas nada nos indica a situação daquelas tristes figuras
antes de entrarem naquele inferno.
Também chama nossa atenção como que o tratamento dado
àqueles condenados sem crime, sem acusação e sem chance de defesa, foi sendo
considerado normal. A morte/assassinato de alguns (muitos?) não era considerada
sequer como um acidente ou um caso excepcional. Fazia parte. A jornalista colhe
depoimentos de pessoas que lá trabalharam durante décadas e assumiram a
naturalização dos assassinatos. Era uma gente de ninguém, com quem ninguém se
importava.
Há também os relatos de virtude, de gente que, remando
contra a maré, resgatou, deu visibilidade e alguma dignidade a alguns sobreviventes
mas, infelizmente, não chegaram a tempo de salvar os 60 mil mudos e invisíveis
que pereceram no caminho.
Já há muitos anos acho que a sociedade brasileira é marcada
pela injustiça, pela violência e pelo preconceito. Depois desse livro estou
incorporando a perversidade a esse rol. Como é possível que durante 80 anos isso
tenha ficado despercebido da sociedade brasileira, de toda a área médica e da
comunidade de Barbacena? Em 1982 achávamos que éramos civilizados, Minas elegeu
Tancredo Neves para governador e reelegeu Itamar Franco para o Senado. Isso era
modernidade e, entretanto, atrás dos muros do manicômio, os assassinatos continuavam.
Mas “aquela gente” nunca fez parte do povo brasileiro.
O terceiro pensamento foi a Comissão da Verdade instaurada para
investigar violações dos direitos humanos no Brasil entre 1945 e 1988. Dela
participam pessoas que admiro e que estão fazendo um trabalho correto e
necessário, mas é interessante como a comissão continua restrita à violação dos
direitos daqueles que conseguiram gritar.
As vítimas de Barbacena não têm voz. Ou será que não eram
humanos?
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